domingo, 20 de fevereiro de 2011

BREVE HISTÓRICO DA ASSEMBLÉIA DE DEUS EM GUARAMIRIM - SC

O texto a seguir foi baseado no artigo O SURGIMENTO DA IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLÉIA DE DEUS EM GUARAMIRIM, que foi apresentado como trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em história no ano de 2009. E pretende com base em relatos orais e pesquisas bibliográficas resgatar a história da Assembléia de Deus no município de Guaramirim – SC. Para isso traz detalhes sobre a fundação do município e a criação da denominação no Brasil. 


A Assembléia de Deus é uma igreja evangélica do ramo pentecostal. De acordo com Campos (2005), o pentecostalismo tem sua origem na Bíblia Sagrada, quando esta cita a vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos de Cristo. A principal característica desse ramo do protestantismo é a glossolalia (se expressar em línguas que o indivíduo desconheça). Para Campos, o movimento pentecostal foi forte até meados do III século da era cristã, quando então a miscigenação com o paganismo fez com que a Igreja perdesse a muitos dos seus carismas (ou dons) do Espírito Santo.

Para Conde (1982), um dos movimentos dentro do Pentecostalismo de maior destaque foi o “Movimento da Azusa Street”, que teve início em abril de 1906 na rua Azusa em Los Angeles, Califórnia. O seu grande líder era o pastor William Seymor. Foi numa reunião no templo da rua Azuza que dois missionários suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren se conheceram e planejaram uma viagem missionária para o Brasil. Esses missionários estrangeiros acabaram sendo os fundadores da Assembléia de Deus no Brasil. Após grande repercussão nos Estados Unidos, o movimento pentecostal tomava a direção da América do Sul, onde acabaria causando impacto ainda maior do que nos EUA. Foi em 1911 que os dois missionários suecos aportaram em Belém do Pará.

Segundo Santos (1996, p. 15), “por um breve período [os missionários] congregaram com a comunidade batista de Belém, até que suas idéias pentecostais entraram em choque com a doutrina tradicional da igreja hospedeira” e assim em junho de 1911 acabaram rompendo com os batistas e fundando a Missão da Fé Apostólica, que mais tarde (1918) teria seu nome mudado para Assembléia de Deus.

Sobre a fundação de Guaramirim, começamos por dizer que originalmente está ligada ao desenvolvimento de diversas comunidades religiosas. A saber, Luteranos ao leste, católicos ao norte e batistas mais ao sul. Dentro desse sul geográfico situa-se a história da Assembléia de Deus.

Guaramirim teria surgido em 1886, quando imigrantes alemães recém chegados da Europa se fixaram na localidade que hoje é conhecida por Brüderthal no dia 06 de julho. Os imigrantes pertenciam a uma antiga dissidência católica que após muitas perseguições, no ano de 1727 unificou seu movimento na cidade germânica de Herrenhut, no que viria a ser a sede desta denominação religiosa, mais conhecida como Comunidade Moravia (ou ainda, Irmãos Morávios) (HARDT, 2009). Na época, Brüderthal (que numa tradução literal significa “vale dos irmãos”) foi na região norte do estado, o principal pólo dos que professavam a fé luterana.

Ainda no final do século XIX, imigrantes russos e letos, fugindo do comunismo que iniciava seu domínio sob a parte oriental da Europa, imigraram para Santa Catarina. Eram cerca de 600 famílias, que se espalharam por três pólos principais. A maior parte se fixou na região onde hoje é o município de Urubici. Os demais se dividiram entre Blumenau e Guaramirim. Segundo Silva (2009), esses imigrantes russos e letos eram em sua maioria protestantes. Sendo que algumas famílias eram Presbiterianas, mas a maioria era formada por Batistas. Dentre esses, destacamos a figura de Pedro Graudin, que foi o primeiro pastor da igreja fundada pelos imigrantes após a sua chegada.

No início os batistas e os luteranos coexistiram fraternalmente. Segundo Silva (2009), não havia diferenças significativas entre as doutrinas e costumes pregados por ambas as igrejas. Mas esse panorama de aparente igualdade iria mudar a partir de 1909, graças ao esforço do pastor Graudin no intuito de levar uma nova mensagem pentecostal. 

Dois anos antes da chegada dos missionários suecos que fundariam a Assembléia de Deus no Brasil (1909), o pastor Pedro Graudin na localidade de Jacu-açú teve uma experiência pentecostal, tendo inclusive falado em um idioma que o mesmo não conhecia e não conseguia controlar. Pedro Graudin entendeu então que esse episódio era idêntico a passagem bíblica do Novo Testamento que trata sobre a vinda do Espírito Santo (Atos dos apóstolos 2: 1-12).

Segundo Silva (2009), após essa experiência Pedro Graudin promoveu mudanças na sua igreja. Extinguiu o uso de jóias (dentes de ouro eram a última moda), proibiu as mulheres de cortar o cabelo e o mais polêmico: tirou a cruz de dentro da igreja. Com isso acabou rompendo com os “amigos” luteranos, que até a atualidade ainda tem a cruz como um de seus símbolos denominacionais.

Além disso, Graudin passou a pregar sermões pentecostais gerando uma divisão no seio da igreja batista. Tendo sido hostilizado por seus próprios liderados dentro da igreja que pastoreava, Graudin foi posteriormente expulso (dois meses depois), ainda em 1909. Fato idêntico ao que ocorreria aos missionários suecos dois anos depois no Pará. A diferença é que no caso de Berg e Vingren, essa disputa os levou a fundarem a Missão da Fé Apostólica. Já para os Graudin esse ocorrido levou a família a deixar de freqüentar qualquer igreja até 1933, ano em que surgiu em Santa Catarina um jovem missionário chamado André Bernardino.

Conforme relatado, Berg e Vingren fundaram sua igreja no Pará. Contudo não se limitaram ao norte do Brasil, em pouco tempo já haviam alcançado boa parte do nosso território estabelecendo igrejas e angariando novos fiéis (CONDE, 1982). Em 1931, os missionários suecos estavam estabelecidos na cidade do Rio de Janeiro. Foi nessa cidade que o Itajaíense André Bernardino abraçou a causa pentecostal.

No livro Raízes da Nossa Fé (1996), o escritor Ismael dos Santos escreve que Bernardino era um jovem católico muito religioso que tencionava ser padre. Aos 17 anos, em 1930, deixou Itajaí e foi para o Rio de Janeiro estudar num seminário com os Irmãos Maristas. Contudo a vida noturna carioca o atraiu para longe do seminário poucos meses depois. Numa das suas “noitadas” acabou contraindo tuberculose. Quando os padres souberam dessa situação, acharam por bem expulsá-lo do seminário.

Assim em agosto de 1930, o jovem catarinense recebeu uma visita inesperada de Berg e Vingren, que haviam sido convidados por um amigo de Bernardino para vir orar por ele. Santos (1996) afirma que após a oração André foi curado instantaneamente. Depois disso passou sete meses em companhia dos “crentes” do Rio de Janeiro. Tempo esse que usou para aprofundar seu conhecimento bíblico.

De volta a Itajaí, o jovem André Bernardino da Silva estabelece a primeira igreja Assembléia de Deus em Santa Catarina e a partir dali se lança num esforço para conseguir novos adeptos para sua nova “religião”. Enfrentando sempre perseguição, principalmente de sacerdotes católicos, a igreja foi expandindo suas fronteiras para além da região de Itajaí. Em breve alcançaria Joinville, Blumenau, Florianópolis e Guaramirim (SANTOS, 1996).

Um dos fatores que explicam o rápido crescimento do movimento pentecostal nos anos 1930 era o forte apelo popular das reuniões. De acordo com Silva (2009), que é filho de André Bernardino, seu pai era um excelente músico e usava esse talento para cativar as massas. Numa época onde não havia televisão, rádio era artigo de luxo, shoppings centers não existiam, nem outra espécie de divertimento “pós-moderno”, a religião era o único programa “divertido” da comunidade e atraía a população com seus cantos e músicas. Silva (2009) também relatou que freqüentemente ao término das reuniões o missionário Bernardino distribuía balas para as crianças, cativando assim ainda mais a comunidade.

Em 1933, dois anos após a fundação da igreja em Itajaí, “em um culto familiar na cidade de Joinville, André Bernardino [...] afirmou que eram os únicos pentecostais da região. Um presbiteriano [...] protestou, afirmando: - O pregador está enganado! (SANTOS, 1996, p. 31)”. Esse presbiteriano se referia a presença da família Graudin na localidade de Guaramirim. Segundo Silva (2009), em 15 de março de 1933 Bernardino e mais algumas pessoas tomaram um trem para a localidade de Guaramirim, que na época era chamada de Bananal. Contudo, quando chegaram na estação foram confundidos com revolucionários integralistas e presos. Somente horas depois foram liberados e puderam prosseguir viagem.

Assim chegaram à casa dos Graudin já sendo noite. Mas segundo Santos (1996, p. 31) eram aguardados por Pedro Graudin, que tivera uma revelação divina sobre a vinda dos missionários.

Pedro Graudin morreu em 1935. Mas sua esposa Lina, deu prosseguimento ao ímpeto evangelístico do marido, tendo inclusive sustentado o missionário André Bernardino por vários anos, enquanto o mesmo se dedicava a fazer reuniões em locais distantes para pregar as “boas novas” do pentecostalismo e, sobretudo a abrir novas igrejas. Segundo Silva (2009) só em Guaramirim cinco novas igrejas foram implantadas e num período de pouco mais de dez anos, completamente lotadas.

É um número expressivo se levarmos em conta a população da cidade. A maior parte dos novos convertidos era composta de famílias pobres. Geralmente pequenos agricultores e pescadores. Segundo Silva (2009) se não houvesse uma ajuda externa era impossível sobreviver apenas sendo pastor ou missionário, pois sendo os fiéis muito pobres, os pastores não achavam correto enfatizar a cobrança dos dízimos.

O primeiro local de reunião dos assembleianos de Guaramirim foi a casa do próprio Pedro Graudin. Posteriormente novos locais de cultos foram sendo construídos. Um dos mais importantes foi o da localidade de Caixa d’água. Segundo Silva (2009), foi em Caixa d’água que muitos dos pastores importantes da história da denominação em Santa Catarina surgiram.  Nirton dos Santos, por exemplo, que foi pastor presidente da convenção estadual da denominação durante mais de uma década, começou seu ministério na igreja da localidade de Caixa d’Água.

Silva (2009) conta que em localidade de Ponta Comprida, os cultos eram realizados aos finais de semana numa serraria. Os assentos eram simples toras de árvores espalhadas sob a cobertura da serraria. Após as reuniões era necessário “desmontar” a igreja pra que os empregados pudessem voltar a trabalhar na dia seguinte.

Outro detalhe que Silva (2009) nos conta é sobre o horário dos cultos. Como não havia ainda luz elétrica nas igrejas, era preciso usar velhos lampiões de azeite. Para reduzir os riscos de algum incêndio os encontros eram realizados à tarde, a partir das 17 horas. Salvo nos domingos, quando acontecia a Escola Bíblica Dominical às 09 horas da manhã.

Ainda de acordo com relatos de Silva (2009), no início a Igreja em Guaramirim era subordinada a Igreja de Joinville, sendo o pastor de lá o responsável por realizar mensalmente a celebração da santa ceia. No fim dos anos 50, contudo, a igreja passou a estar vinculada à Igreja de Jaraguá do Sul, ficando o pastor jaraguaense com aquela responsabilidade. Foi apenas em 1998 que Guaramirim obteve a sua total emancipação, passando a ser uma Igreja Independente.

Nas pesquisas que fiz sobre o assunto notei que por todo o estado de Santa Catarina onde já existiam igrejas estabelecidas houve vários confrontos entre os membros dessas denominações diferentes. A título de exemplo, cito depoimento do pastor-missionário Oswaldo Lemos sobre a implantação da igreja evangélica Assembléia de Deus em São Joaquim.

Todos os dias, às seis horas da tarde, quando o sino da catedral anunciava a hora da Ave-Maria, um grupo de religiosos saía do templo católico carregando um andor; a procissão parava em frente a nossa casa de cultos e por diversas vezes atiraram pedras no modesto salão [...]. (SANTOS 1996, p. 88),

Segundo Silva (2009), quando da chegada dos batistas letos, a igreja desses imigrantes sofreu com certa hostilidade por parte da Igreja Católica, mas nos anos 1930 em Guaramirim, não existem relatos de perseguições contra a Assembléia de Deus. Segundo ele isso se deve ao fato de que André Bernardino e o sacerdote católico local, Pe. Mathias eram muito amigos, não havendo, portanto uma guerra religiosa no município como houve em outros lugares.

Então devido a pouca resistência por parte de outras denominações e a aceitação da comunidade, a Igreja cresceu muito ao longo dos anos. Segundo Silva (2009) na década de 1980, com a chegada de migrantes vindos do estado do Paraná, houve um incremento considerável no número de conversões, fazendo com que a Igreja acompanhasse o crescimento populacional do município. Atualmente a igreja conta com pouco mais de 1500 membros e outros tantos congregados (fiéis ainda não batizados), perfazendo um total maior que 3500 convertidos espalhados por doze templos edificados no município.

Ponto importante a se destacar é que na maioria das vezes o fator perseguição é o que explica o surgimento e a permanência de uma determinada igreja, já que a meu ver isso fazia com que os fiéis se agarrassem ainda mais à sua fé. Contudo vimos que aqui se deu ao contrário. Ao invés de perseguição por parte dos católicos, houve uma bonita amizade entre os líderes de ambas as igrejas. Isso é um dado interessantíssimo. Quem dera se em todos os lugares a história pudesse se repetir. Num mundo onde ainda hoje pessoas matam umas as outras em nome da religião, a história da Assembléia de Deus em Guaramirim traz um exemplo de que com diálogo e respeito é possível coexistir pacificamente mesmo assumindo pontos de vista diferentes.


REFERÊNCIAS

CAMPOS, Leonildo S. As origens norte-americanas do pentecostalismo brasileiro: observações sobre uma relação ainda pouco avaliada. REVISTA USP, São Paulo, n.67, p. 100-115, setembro/novembro 2005.

CONDE, Emilio. História das Assembléias de Deus no Brasil. 2ª edição, Rio de Janeiro: CPAD, 1982.

HARDT, Horst Dieter. Uma Retrospectiva da História. Disponível em <<http://www.mluther.org.br/Imigracao/joseph%20hille.htm>>. Acesso em 12 Abr. 2009.

SANTOS, Ismael dos. Raízes da Nossa Fé. Blumenau: Ed. Letra Viva, 1996.

SILVA, Daniel Graudin da. Entrevistas concedidas a Tiago Carpes do Nascimento. Guaramirim, Maio e Junho/2009.    

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